Decisão do STJ – Falta de estoque não impede que o consumidor exija a entrega ao produto anunciado – Comércio Eletrônico

Decisão do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 1.872.048 – RS 

Cuida-se de ação de obrigação de fazer, com pedido de antecipação de tutela, ajuizada por um consumidor (recorrente) em face de B2W COMPANHIA DIGITAL, em razão do descumprimento da entrega de mercadoria adquirida pela internet, fundada na alegação de ausência de estoque do produto. 

Matéria debatida no Recurso Especial: 

O propósito recursal consiste em determinar se, diante da vinculação do fornecedor à oferta, a alegação de ausência de produto em estoque é suficiente para inviabilizar o pedido do consumidor pelo cumprimento forçado da obrigação, previsto no art. 35, I, do CDC. 

Foi dado provimento ao RESP, por unanimidade, no sentido de que em virtude do princípio da vinculação à oferta, o consumidor só não poderá exigir a entrega do produto anunciado caso ele tenha deixado de ser fabricado e não exista mais no mercado. 

Portanto, se o fornecedor não entregou o produto, mas ainda tiver como fazê-lo – mesmo precisando adquiri-lo de outras empresas –, fica mantida para o consumidor a possibilidade de exigir o cumprimento forçado da obrigação, prevista no artigo 35, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor (CDC). 

Desta forma, destacam-se alguns pontos sobre os quais a Relatora Ministra Nancy Andrigui se manifestou para que os empresários fiquem atentos, uma vez que a falta de estoque não impede que o consumidor exija a entrega do produto anunciado.

1 – DA OFERTA NO DIREITO DO CONSUMIDOR

Antes do desenvolvimento do direito consumerista e do CDC, à publicidade negava-se o caráter de oferta e, por conseguinte, a possibilidade de vinculação contratual, sendo a oferta de consumo sempre apontada como puro (e contratualmente inofensivo e irrelevante) “convite a contratar”. 

Como, no entanto, os processos de publicidade e de oferta ao público possuem importância decisiva no escoamento da produção em um mercado de consumo em massa, ocorreu uma modificação significativa no enfrentamento da noção e da relevância desses institutos, que hoje integram a própria disciplina contratual, vinculando o fornecedor. Assim, conforme dispõe o art. 30 do CDC, a informação contida na própria oferta é essencial à validade do conteúdo da formação da manifestação de vontade do consumidor e configura proposta, integrando efetiva e atualmente o contrato posteriormente celebrado com o fornecedor.  

Observação: 

O fornecedor deve estar atento a todas as formas de marketing que utiliza, principalmente nas redes sociais, visto que a regra do CDC abrange a todas, obrigando ao seu cumprimento. A regra do Código é “prometeu, cumpriu”, sendo que a decisão em comento foi direcionada no sentido de que a oferta veiculada obriga o fornecedor ao seu cumprimento nos termos do art. 35 do CDC, sendo que o consumidor pode escolher livremente qualquer das opções do dispositivo legal. 

Por força desse dispositivo, na acepção consumerista, oferta é, com sentido vinculante, qualquer informação ou publicidade dirigida pelo fornecedor de produtos ou serviços ao mercado de consumo, pois “é juridicamente irrelevante qualquer atuação posterior do policitante […] no sentido de limitar, reorganizar ou extinguir os resultados vinculantes do seu discurso, eficazes a partir do momento em que se deu a exteriorização (rectius, “exposição”, consoante o art. 29 do CDC)”, já que “a oferta publicitária é irretratável” (BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos. Op. cit., p. 234, sem desta). A oferta dirigira ao mercado de consumo vincula, portanto o fornecedor de produtos e serviços e todos aqueles que se beneficiem da oferta, cabendo, assim, ao consumidor, em caso de recusa, à sua escolha, na forma do art. 35 do CDC: a) exigir o cumprimento forçado da obrigação; b) aceitar um outro bem de consumo equivalente; c) rescindir o contrato já firmado, cabendo-lhe, ainda, a restituição do que já pagou, monetariamente atualizado, e perdas e danos (inclusive danos morais).  

2. DA RECUSA À OFERTA E DAS OPÇÕES DO CONSUMIDOR  

Como se infere do art. 35 do CDC, a oferta veiculada obriga o fornecedor do serviço ao seu cumprimento, sob pena do consumidor optar, alternativamente e a sua livre escolha, pelo cumprimento forçado da obrigação, aceitar outro produto, ou rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, somada a perdas e danos. 

Realmente, a escolha cabe livremente ao consumidor, não sendo imposta, em qualquer momento, a preferência por qualquer das opções, sobretudo pela resolução do contrato por inadimplemento e a sua conversão em perdas e danos. Trata-se, com efeito, segundo ressalta a doutrina, de alternativas disposta à livre escolha do consumidor, porquanto “a opção por qualquer das hipóteses previstas é feita sem que o consumidor tenha de apresentar qualquer justificativa ou fundamento”, pois “é um querer pelo simples querer manifestado” (NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 12ª ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2018, livro digital) 

Observação: A decisão apenas reafirma o que já está previsto no CDC, ou seja, que no caso do fornecedor recusar o cumprimento da sua oferta ou publicidade, ou se ainda não tiver condições de cumprir o que prometeu, é o Consumidor que tem a faculdade de escolher entre as alternativas previstas na Lei. A escolha não é do fornecedor. 

3. DO CUMPRIMENTO FORÇADO DA OBRIGAÇÃO (ART. 35, I, DO CDC) E DA EQUIVALÊNCIA ENTRE AS ALTERNATIVAS À DISPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR 

Há no CDC, no entanto, uma nítida prevalência ao cumprimento específico da obrigação, sobretudo quando se trata da recusa à oferta, tendo o código buscado garantir ao consumidor os meios de efetivação das opções previstas no art. 35 do CDC. Com efeito, o CDC consagrou expressamente o princípio da preservação dos negócios jurídicos, segundo o qual “o juiz poderá determinar qualquer providência que o caso mereça, a fim de que seja assegurado o resultado prático equivalente ao adimplemento da obrigação de fazer”, pois “não quer o Código a resolução em perdas e danos”, razão pela qual “a solução de extinção do contrato [é] a última ratio, o último caminho a ser percorrido” (TARTUCE, Flávio. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor. Vol. único, 5ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2016, livro digital, sem destaque no original). Assim, por força da prevalência da preservação dos negócios jurídicos, a doutrina identifica duas formas de realização do princípio da vinculação do fornecedor à oferta: a) “se o fornecedor deixar de cumprir a oferta ou publicidade, ou, ainda, se não tiver condições de cumprir o que prometeu, o consumidor poderá escolher entre o cumprimento forçado da obrigação e a aceitação de outro bem de consumo”; e b), “se o contrato já tiver sido concluído, deixando, contudo de mencionar algum elemento previsto na oferta ou publicidade, é lícito ao consumidor exigir a sua rescisão, com restituição da quantia paga, mais perdas e danos” (BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos (et. al.). Op. Cit., p. 301, sem destaque no original). 

4. DA EQUIVALÊNCIA ENTRE AS OPÇÕES COLOCADAS À DISPOSIÇÃO DO CONSUMIDOR 

As opções do art. 35 do CDC são intercambiáveis e produzem, para o consumidor, efeitos práticos equivalentes ao adimplemento. 

Com efeito, no inciso I do citado art. 35, o CDC dá ao consumidor a prerrogativa de exigir o cumprimento da oferta. Se houver recusa, pode-se, por força do art. 84, impor ao fornecedor o cumprimento da obrigação de fazer, concedendo tutela específica que assegure o adimplemento. 

Na hipótese do inciso II do art. 35, “o fornecedor se recusa ao cumprimento da oferta, mas oferece outro produto ou serviço no lugar do ofertado”, hipótese na qual, “o consumidor pode aceitar outro produto ou serviço equivalente” (NUNES, Rizzatto. Op. cit. Livro digital, sem destaque no original). Nessa situação, portanto, em complemento à previsão do inciso I, que garante o direito do consumidor de exigir o cumprimento da oferta, prevê-se a possibilidade, no inciso II, de aceitar uma proposta alternativa formulada pelo fornecedor, se acaso considerar que é satisfatória à pretensão manifestada quando da celebração do contrato, e ao seu exclusivo juízo. 

Por fim, o inciso III do art. 35 permite ao consumidor optar pela rescisão do contrato somada às perdas e danos. Essas perdas e danos equivalem, no mercado de consumo de massa, ao prejuízo gerado pela não entrega da prestação (produto ou serviço), circunstâncias nas quais, existindo o produto em produção e à venda por outro revendedor, o consumidor “adquire o [produto ou serviço] no concorrente e pede como indenização o valor correspondente à diferença […] que foi oferecida, mas não cumprida” (NUNES, Rizzatto. Op. cit. Livro digital, sem destaque no original).

Como se vê, todas as opções previstas no art. 35 do CDC guardam relação com a satisfação da intenção validamente manifestada pelo consumidor ao aderir à oferta do fornecedor, por meio da previsão de resultados práticos equivalentes ao adimplemento da obrigação de fazer ofertada ao público. 

 5.  DA COMPRA E VENDA DE PRODUTO AUSENTE NO ESTOQUE DO FORNECEDOR 

Como forma de ressaltar a equivalência entre as opções postas à disposição da vontade livre do consumidor, deve-se ressaltar que, em relação ao objeto da contratação, a doutrina ressalta que o contrato é fonte de obrigações, razão pela qual seus efeitos são relativos, limitados às prestações que foram estipuladas pelas partes. Quanto ao objeto do contrato de compra e venda, portanto, ORLANDO GOMES ressalta que nossa legislação não atribui ao citado contrato eficácia real, mas somente pessoal, de forma que, na compra e venda, a prestação é de entregar coisa; o conteúdo do contrato é, por conseguinte, a obrigação de dar, consistindo a transferência da propriedade uma consequência, na hipótese de bens móveis, de um fato posterior, da tradição. 

Com efeito: Em relação ao objeto, o efeito fundamental do contrato é criar obrigações. Uma vez perfeito e acabado, as partes ficam adstritas ao cumprimento das obrigações contraídas. A relação jurídica estabelecida é de natureza pessoal, surgindo para o contratante a pretensão de exigir do outro as prestações prometidas. As obrigações nascidas do contrato são de dar, fazer, ou não fazer, e, portanto, as prestações são de coisas ou de fatos, mas, embora a obrigação contratual tenha como objeto a entrega de determinado bem, permanece o efeito pessoal do contrato consistente apenas no direito do credor a exigir do devedor que faça a entrega e, no caso de recusa, que pague perdas e danos. 

O contrato não produz, assim, efeitos reais, isto é, translativos da propriedade e dos jura in re aliena. No de compra e venda, por exemplo, obriga-se o vendedor a transferir o domínio de certa coisa, mas não o transmite por efeito do contrato, visto que, entre nós, a propriedade se transfere somente por um modo de aquisição. O contrato serve apenas de títulos adquirendi. (GOMES, Orlando. Contratos. p. 200, sem destaque no original). Nesse sentido, é preciso, portanto, observar que a compra e venda é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a transferir a propriedade de uma coisa à outra, recebendo, em contraprestação, determinada soma de dinheiro ou valor fiduciário equivalente. Dessa forma, em nosso ordenamento, a compra e venda possui efeitos exclusivamente obrigacionais e, por isso, o referido contrato é classificado como simplesmente consensual, haja vista bastar o acordo de vontades sobre a coisa e o preço para se tomar perfeita e acabada, independentemente da entrega da coisa para sua perfeição. 

Nessa linha, embora, segundo a doutrina, “a inexistência do objeto impli[que], em tese, obstaculizar a formação do contrato, já que este forçosamente há de ter sobre que incidir”, de forma que a “venda de coisa inexistente [seria] nula”. (PEREIRA, Caio Mário. Instituições de Direito Civil, Vol. III, Contratos, 21ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 77), a citada inexistência da coisa do objeto da prestação, na compra e venda, deve, contudo, ser entendida como a sua inexistência absoluta, dificilmente verificável no mercado de consumo e de produção em massa. 

Por essa razão, a única hipótese que autorizaria a exclusão da opção pelo cumprimento forçado da obrigação seria aquela na qual “não há estoque e não haverá mais, pois aquela espécie, marca e modelo não é mais fabricada” (NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 12ª ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2018, livro digital, sem destaque no original). Assim, a possibilidade ou não do cumprimento da escolha formulada livremente pelo consumidor deve ser aferida à luz da boa-fé objetiva, de forma que, sendo possível ao fornecedor cumprir com a obrigação, entregando ao consumidor o produto anunciado, ainda que obtendo-o por outros meios, como o adquirindo de outros revendedores, não há razão para se eliminar a opção pelo cumprimento forçado da obrigação. 

6. DA HIPÓTESE CONCRETA 

O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) que, após o descumprimento da entrega de mercadoria comprada pela internet em razão da falta de estoque, entendeu que a cliente não poderia optar pelo cumprimento forçado da obrigação, devendo  escolher entre as demais hipóteses do artigo 35 do CDC: aceitar produto equivalente (inciso II) ou rescindir o contrato, com restituição da quantia paga (inciso III). 

Segundo a Relatora, como demonstrado, a oferta vincula o fornecedor de produtos, que, por meio dessa manifestação, se obriga a entregar o produto ou serviço nas condições específicas em que a ofereceu ao mercado de consumo. 

Caso recusado o cumprimento da oferta, o art. 35 do CDC prevê opções cuja escolha cabe exclusiva e livremente ao consumidor, que deve aferir, segundo seus interesses, qual a forma que será obtido o resultado equivalente ao adimplemento, não havendo, assim, como se impor ao consumidor a eleição de uma alternativa específica. Ressalte-se, ademais, que o mero fato de o fornecedor do produto não o possuir em estoque no momento da contratação não é condição suficiente para eximi-lo do cumprimento forçado da obrigação, haja vista que essa circunstância, por si mesma, não evidencia que o produto não mais estaria disponível no mercado e que, portanto, o adimplemento da obrigação de fazer de entregá-lo ao consumidor seria impossível. Dessa forma, merece reforma, no ponto, o acórdão recorrido, para que se afaste a imposição de adequação de seu pedido aos incisos II e III do art. 35 do CDC, reconhecendo-se a possibilidade de ser exigido o cumprimento forçado da obrigação, na forma do inciso I do CDC.

Fonte: Assessoria Técnica FecomercioS\P

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