Lei nº 14.596/23 – Regras de preços de transferência relativas ao IRPJ e à CSLL

Foi publicada no DOU, em 15/06/2023, a Lei nº 14.596/23, que trata das novas regras relativas aos preços de transferência no Brasil, aplicáveis a partir de janeiro de 2024, porém com faculdade de antecipação para o ano de 2023.

Referida lei é fruto do Projeto de Lei de Conversão – PLV nº 8/23, encaminhado para sanção presidencial e proveniente da Medida Provisória – MP nº 1.152/22, com objetivo de tornar a legislação brasileira alinhada ao padrão estabelecido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, e evitar práticas destinadas à erosão de bases do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), bem como a transferência de lucros para outras jurisdições.

Dentre as principais inovações trazidas pela legislação em comento, destacam-se:

– adoção efetiva do princípio Arm´s Length, onde os termos e as condições de uma transação controlada são estabelecidos de acordo com aqueles que seriam pactuados entre partes não relacionadas em transações comparáveis;

– ampliação do conceito de partes relacionadas;

– novo conceito de país com tributação favorecida, sendo assim considerado o “país que não tribute a renda ou que a tribute a alíquota máxima inferior a 17%”;

– aumento da quantidade de métodos passíveis de aplicação, porém, com a extinção dos métodos PECEX e PCI (aplicáveis às commodities), admitindo-se ainda a adoção de outros métodos, desde que a metodologia alternativa adotada produza resultado consistente com aquele que seria alcançado em transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas;

– aumento da abrangência das operações sujeitas às regras, passando a ser aplicável a qualquer relação comercial ou financeira entre partes relacionadas;

– aplicação de margens efetivas das transações, em detrimento de margens fixas;

– escolha do método mais adequado, assim entendido como o que melhor representar a operação em análise (e não o de menor ajuste); e

– criação de regras específicas para intangíveis, além de serviços e contratos de compartilhamento de custos intragrupo.

O princípio arm’s length muda substancialmente a análise de comparabilidade e delineamento das transações controladas, pois preceitua que as transações entre as partes interrelacionadas, exemplificativamente as multinacionais, deverão se comportar como se fossem entes distintos e atuar em condições iguais de mercado.

O sistema de avaliação de preços de transferência utilizado até então adotava como parâmetro a metodologia de margens fixas de lucro. Apesar da sua simplicidade e menor custo para administração pública em termos fiscalizatórios, poderia acarretar resultados imprecisos nas avaliações das transações.

Nesse sentido, o cenário que ainda existe no Brasil, até a eficácia das novas regras, diversamente do sugerido pela OCDE, gera insegurança quando se leva em consideração a perspectiva internacional. A abordagem brasileira diferia da abordagem adotada em outras jurisdições que possuem regras de preços de transferência alinhadas com o padrão da OCDE e a descontinuidade das premissas adotadas nos países gera descompasso na avaliação final, em termos de comparabilidade das transações.

A consequência lógica do descompasso apresentado, dentre outras coisas, era a eventual ocorrência de bitributação da transação ou mesmo autuações, ainda que do ponto de vista técnico existissem justificativas, todavia fundamentadas em premissas de outra abordagem.

Além de incorporar expressamente em sua redação o princípio arm’s length, a lei também autoriza a utilização de outros métodos para analisar e delinear a operações de preços de transferência, quais sejam:

– Preço Independente Comparável (PIC), que consiste em comparar o preço ou o valor da contraprestação da transação controlada com os preços ou os valores das contraprestações de transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas;

– Preço de Revenda menos Lucro (PRL), que consiste em comparar a margem bruta que um adquirente de uma transação controlada obtém na revenda subsequente realizada para partes não relacionadas com as margens brutas obtidas em transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas;

– Custo mais Lucro (MCL), que consiste em comparar a margem de lucro bruto obtida sobre os custos do fornecedor em uma transação controlada com as margens de lucro bruto obtidas sobre os custos em transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas;

– Margem Líquida da Transação (MLT), que consiste em comparar a margem líquida da transação controlada com as margens líquidas de transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas, ambas calculadas com base em indicador de rentabilidade apropriado;

– Divisão do Lucro (MDL), que consiste na divisão dos lucros ou das perdas, ou de parte deles, em uma transação controlada de acordo com o que seria estabelecido entre partes não relacionadas em uma transação comparável, consideradas as contribuições relevantes fornecidas na forma de funções desempenhadas, de ativos utilizados e de riscos assumidos pelas partes envolvidas na transação; e

– outros métodos, desde que a metodologia alternativa adotada produza resultado consistente com aquele que seria alcançado em transações comparáveis realizadas entre partes não relacionadas.

As empresas deverão avaliar, para cada tipo de transação praticada, qual o melhor método a ser utilizado, considerando vários elementos, dentre eles os ativos objetos da operação/negociação, características especificas do bem comparado, características econômicas locais, características funcionais, estratégias negociais, riscos e qualquer outro atributo que impacte a operação.

O método mais apropriado será aquele que determine de forma mais confiável os termos e condições que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em uma transação comparável, mesmo que não seja o mais benéfico para o contribuinte.

Contudo, as novas normas conferem certa margem de discricionariedade às empresas e permitem, assim, que o contribuinte possa justificar a adoção da metodologia empregada na avaliação dos preços de transferência, desde que consiga sustentar documentalmente argumentos sólidos para os parâmetros adotados.

Ainda que haja margem para as escolhas, é importante consignar que para determinadas situações, por exemplo: funções, riscos e ativos, existem métodos específicos que são considerados mais aptos, além disso, deve-se avaliar a disponibilidade de informações sobre transações praticadas por terceiros no mercado e também dar preferência ao método que envolva o menor número de ajustes de comparabilidade.

Em que pese não haver previsão expressa de hierarquia entre os métodos, na prática a preferência é pela utilização do Preço Independente Comparável (PIC).

Em princípio, as novas regras só serão obrigatórias a partir de 2024, mas, as empresas que assim desejarem, poderão aplicá-las para as operações realizadas a partir de 1º de janeiro de 2023. Para tanto, precisarão abrir processo digital no Portal e-CAC e anexar o termo de opção constante no Anexo Único da Instrução Normativa RFB nº 2.132/23, sendo certo que uma vez feita a opção pela antecipação das novas regras, não há possibilidade de retratação.

O prazo para a solicitação vai de 1º a 30 de setembro, ressalvados os casos de início de atividade da pessoa jurídica ou extinção da empresa. As empresas que iniciarem suas atividades ou que resultarem de fusão ou cisão entre setembro e dezembro de 2023 deverão formalizar sua opção no 1º mês de atividade. Já empresas extintas entre janeiro e agosto deverão fazer a opção no mês da extinção.

A antecipação das regras de preço de transferência também se aplica aos royalties. Contribuintes podem aplicar os novos procedimentos de dedutibilidade desde janeiro deste ano, porém os que não tiverem formalizado sua opção dentro do prazo deverão retificar a escrituração e as DCTFs apresentadas para considerar os limites de dedutibilidade de royalties previstos nas normas anteriores.

A novel legislação representa um marco histórico nas regras dos Preços de Transferência no Brasil, vez que a atual, vigente desde 1997, era criticada por alguns por não evitar de forma plena o subfaturamento nas exportações/demais operações de saída e o superfaturamento nas importações/demais operações de entrada no Brasil.

É preciso ressaltar para as empresas que pretendam optar pela antecipação das novas regras de preços de transferência da importância de um estudo minucioso, para que sejam evitados possíveis prejuízos.

Fonte: Assessoria Técnica da FecomercioSP

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