Por meio da Solução de Consulta Cosit nº 162 de 28.12.2020, publicada no Diário Oficial da União em 04/03/2021, a Receita Federal do Brasil esclareceu que a receita decorrente da remissão de dívida (valor principal e juros) relativa a contrato de mútuo, não se inclui no conceito de receita bruta, não compondo a base de cálculo para fins de incidência do Simples Nacional.
Na consulta realizada, o consulente relata que atua no ramo da “(…) prestação de serviços, para pessoas físicas, de intermediação e agenciamento de serviços e negócios em geral (…)” e contraiu empréstimos de terceiros decorrentes da celebração de “contratos de investimento de mútuo conversível”.
A celebração de tais contratos, segundo o consulente, permitiu a captação de recursos financeiros para lançamento de seu produto. Em contrapartida, os terceiros investidores, quando dos vencimentos decorrentes dos respectivos contratos de mútuo, poderiam optar pela devolução dos valores emprestados corrigidos ou pela conversão dos valores investidos em participação societária, sendo a empresa transformada em uma Sociedade Anônima.
Porém, o consulente informa que não teve condições de cumprir o contrato e os credores concederam a remissão/perdão da dívida em relação aos valores que deveriam ter sido pagos a título de mútuo e juros, suscitando os seguintes questionamentos:
a) Se o montante referente à remissão do valor principal da dívida, oriunda de Contrato de Mútuo e destinado à empresa optante pelo Simples Nacional, deverá ser considerado como receita bruta para fins de incidência tributária?
b) Se o montante referente à remissão concernente aos juros oriundos do mesmo Contrato de Mútuo, ainda levando-se em consideração a adoção do regime do Simples Nacional, deverá ser considerado como receita bruta para fins de incidência tributária?
Em resposta aos questionamentos, a Receita Federal do Brasil, concluiu pela não tributação, cujos motivos serão verificados a seguir:
De acordo com a Lei Complementar nº 123/2006, art. 3º, §1º, e a Resolução CGSN nº 140/2018, art. 2º, inciso II, considera-se receita bruta, o produto da venda de bens e serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em conta alheia, não incluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos.
Ou seja, no conceito de receita bruta não estão contidas as “demais receitas”.
Demais receitas podem ser definidas como aquelas que não estão abrangidas pelo objeto social, conforme o documento constitutivo (contrato social ou estatuto social). São as receitas não habituais ao desenvolvimento da atividade.
Exemplos de “demais receitas”: recebimento de doações, rendimentos de aplicações financeiras, descontos obtidos, perdão de dívida etc.
Assim, mesmo que as demais receitas sejam tratadas na contabilidade como um acréscimo ao patrimônio (Ativo) da pessoa jurídica que aufere, para fins fiscais não há tributação, pois o legislador foi restritivo quanto ao conceito de receita bruta.
Assim dispõe a Resolução CFC 1.374/2011, subitens 4.25, alínea “a” e 4.47, sobre as receitas:
“4.25. Os elementos de receitas e despesas são definidos como segue:
(a) receitas são aumentos nos benefícios econômicos durante o período contábil, sob a forma da entrada de recursos ou do aumento de ativos ou diminuição de passivos, que resultam em aumentos do patrimônio líquido, e que não estejam relacionados com a contribuição dos detentores dos instrumentos patrimoniais;
(…)
“4.47. A receita deve ser reconhecida na demonstração do resultado quando resultar em aumento nos benefícios econômicos futuros relacionado com aumento de ativo ou com diminuição de passivo, e puder ser mensurado com confiabilidade. Isso significa, na prática, que o reconhecimento da receita ocorre simultaneamente com o reconhecimento do aumento nos ativos ou da diminuição nos passivos (por exemplo, o aumento líquido nos ativos originado da venda de bens e serviços ou o decréscimo do passivo originado do perdão de dívida a ser paga).”
Portanto, na visão contábil, a contrapartida do Passivo (principal mais juros), conforme a abordagem da Solução de Consulta em questão, quando do perdão dessa dívida, deve ser contra uma conta de resultado.
Cabe um aparte para fins de alerta, no caso de empresas que desenvolvem outras atividades com habitualidade, mas que não que possuem o detalhamento no contrato social, ficando irregulares perante a legislação societária.
Neste caso, para essas empresas irregulares, nada impede que em uma possível fiscalização, ocorra a autuação tendo como consequência a tributação dessas receitas.
Ou seja, seria uma forma de planejamento perigoso não incluir as atividades no contrato social, visando a não tributação como receita bruta.
No caso em tela é uma receita esporádica e que não deve ser tributada pelos motivos expostos.
Ademais, na já mencionada Resolução CGSN 140/2018, em seus arts. 2º, §4º e 5º, o legislador reforça o que deve ser tributado, por ser considerado como receita bruta, e estabelece o que não deve ser tributado, como segue:
Art. 2º Para fins desta Resolução, considera-se:
(…)
§ 4º Também compõem a receita bruta de que trata este artigo: (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 2º, inciso I e § 6º, e art. 3º, § 1º)
I – o custo do financiamento nas vendas a prazo, contido no valor dos bens ou serviços ou destacado no documento fiscal;
II – as gorjetas, sejam elas compulsórias ou não;
III – os royalties, aluguéis e demais receitas decorrentes de cessão de direito de uso ou gozo; e
IV – as verbas de patrocínio.
§ 5º Não compõem a receita bruta de que trata este artigo: (Lei Complementar nº 123, de 2006, art. 2º, inciso I e § 6º, e art. 3º, § 1º)
I – a venda de bens do ativo imobilizado;
II – os juros moratórios, as multas e quaisquer outros encargos auferidos em decorrência do atraso no pagamento de operações ou prestações;
III – a remessa de mercadorias a título de bonificação, doação ou brinde, desde que seja incondicional e não haja contraprestação por parte do destinatário;
IV – a remessa de amostra grátis;
V – os valores recebidos a título de multa ou indenização por rescisão contratual, desde que não corresponda à parte executada do contrato;
VI – para o salão-parceiro de que trata a Lei nº 12.592, de 18 de janeiro de 2012, os valores repassados ao profissional-parceiro, desde que este esteja devidamente inscrito no CNPJ;
VII – os rendimentos ou ganhos líquidos auferidos em aplicações de renda fixa ou variável.
Nota. Em relação à venda de bens do ativo imobilizado, mencionada no inciso I do §5º, devem ser observadas as disposições do §6º, incisos I e II do artigo 2º da Resolução CGSN nº 140 de 2018, pois pode haver o tratamento como receita bruta.
Dessa forma, não há que se falar em tributação, seja do principal ou da multa decorrente do contrato de mútuo, para empresas optantes pelo Simples Nacional, que se enquadrem na situação apresentada.
Por fim, vale ressaltar que a Solução de Consulta Cosit, a partir da data de sua publicação, tem efeito vinculante no âmbito da RFB, e respaldam o sujeito passivo que as aplicar, independentemente de ser o consulente, desde que se enquadre na hipótese por ela abrangida, sem prejuízo de que a autoridade fiscal, em procedimento de fiscalização, verifique seu efetivo enquadramento.
Fonte: Assessoria Técnica FecomercioSP